Navios britânicos retornando das Ilhas Malvinas após o conflito de 1982 (Fonte: UK's Royal Navy)
A RETOMADA DA DISCUSSÃO DO STATUS DAS ILHAS MALVINAS
Nos últimos
meses a discussão acerca da soberania das Ilhas Malvinas entre a Argentina e a
Grã-Bretanha vem ganhando mais destaque e importância no cenário internacional.
Considerada a última guerra convencional da história[1], a Guerra das Malvinas foi marcada pela tentativa frustrada do
governo militar ditatorial argentino de reaver as Ilhas Malvinas, também
denominadas de Falkland Islands pelos britânicos[2].
O atual
governo argentino, liderado por Cristina Kirchner, reabriu o diálogo em torno
das Ilhas Malvinas, dando à questão enfoques diplomáticos e publicitários jamais
vistos antes, ao ponto de 6 vencedores do prêmio Nobel da Paz terem solicitado
que a Grã-Bretanha inicie as negociações com a Argentina sobre a disputa da
soberania das Ilhas Malvinas.
Em
2012, quando completaram 30 anos do término da Guerra das Malvinas, o governo
argentino denunciou a Grã-Bretanha pela crescente militarização das Ilhas
Malvinas e, principalmente, pelo envio do navio HMS Dauntless, fortemente
equipado com mísseis antiaéreos. Para Jorge Arguello, embaixador da Argentina
nos Estados Unidos, esse armamento não visa à proteção a ataques argentinos,
mas sim a explorar os recursos naturais das águas do Atlântico Sul. Além disso,
o Embaixador alega que haveria o interesse da Inglaterra em projetar sua
influência à Antártica.[3]
A colonização
das Malvinas pela Grã-Bretanha iniciou-se em 1833 sob o comando do capitão
James Onslow, o qual expulsou o capitão argentino José Maria Pinedo e os
colonos argentinos que ali estavam desde 1827. Substitui-se, então, a bandeira
da Argentina pela bandeira da Grã-Bretanha e iniciou-se uma ínfima povoação das
Ilhas com imigrantes escoceses, galeses e irlandeses.[4]
Fato, entretanto,
é que os problemas da região existiam bem antes de 1833, fazendo-se pertinente
colacionar o seguinte trecho de Daros Cardoso e Valente Cardoso (2010, p. 53) sobre
os antecedentes históricos desse conflito:
a) em 1764, a França instalou uma base naval no
local, denominada de IslesMalouines(...) pelo navegador Antoine Louise de
Bougainville; b) contudo, em 1765, a Inglaterra também alojou uma base naval em
uma das ilhas (...), posteriormente
denominada Falkland; c) no ano seguinte (1766), a França alienou sua base naval
para a Espanha (...), que declarou
guerra à Inglaterra, pela presença indevida no local (considerando que a
Argentina era uma colônia espanhola); d) em 1767, os países chegaram a um
consenso, ficando a parte leste para a Espanha e a região oeste do arquipélago
sob o controle britânico; e) porém, em 1769/1770, a Espanha tentou a retirada
dos ingleses de PortEgmont, mas recuou após a ameaça de declaração de guerra
pelo governo britânico; f) nos anos seguintes, por motivos econômicos, a
Inglaterra iniciou um processo de retirada de suas guarnições militares no
exterior, e, em 20 de maio de 1776, foi feita a saída das ilhas Falkland;
porém, a bandeira britânica foi mantida no local, bem como uma placa
reivindicando a soberania inglesa; g) apesar de ter um posto militar e uma
colônia penal nas ilhas (no Porto Soledad), a Espanha não explorou o interior
das Malvinas, tampouco se preocupou em colonizá-la, e retirou seu último
governador do local em 1806; contudo, da mesma forma que os ingleses, deixou
uma placa no lugar ressalvando sua soberania; h) com a independência da
Argentina em 1816, o país reivindicou sua soberania sobre as Malvinas no ano de
1820, fixando a bandeira nacional em Porto Soledad no dia 6 de novembro. [5]
Instaurou-se, dessa
forma, desde 1833 um período de calmaria nas Ilhas Malvinas, sob o comando do
governo britânico, em que, mesmo não sendo intensamente povoada – como não é
ainda hoje, os argentinos tinham momentaneamente esquecido o sonho nacional de
terem as Malvinas como extensão de seu território.
Contudo,
em 1982, a Junta Militar que então governava a Argentina determinou a invasão
as Ilhas Malvinas, praticamente relegadas ao esquecimento pela distante
Grã-Bretanha, reacendendo nos argentinos o antigo desejo de possuírem as Ilhas.
A invasão se deu sob o argumento da possível existência de petróleo na região
e, para muitos, com o intuito de retirar da atenção dos argentinos os problemas
internos da forte crise econômica em que o País se encontrava [6]
[7].
Ao fim da Guerra,
que durou 74 dias, 649 argentinos e 258 britânicos morreram. Com a derrota, o
governo militar argentino foi criticado pela falha de ter enviado recrutas,
muitas vezes sem nenhuma experiência em batalha, para combater as forças da
Grã-Bretanha, que não só eram superiores em armamentos como, posteriormente, receberam
reforço militar dos Estados Unidos.
No entanto, a
Argentina nunca deixou de reclamar a soberania das Ilhas Malvinas como parte de
seu território, acreditando sempre que foram tomadas ilegalmente pela
Grã-Bretanha, parte invasora.
Para Ramina
(2012, p.1), em termos geopolíticos, o impasse entre a Argentina e a
Grã-Bretanha em torno da soberania das Malvinhas facilmente ganha aspectos de
uma guerra de descolonização, na medida em (i)
que as Ilhas são consideradas prolongamento do território argentino, pela
evidente proximidade das Ilhas em relação à costa argentina, e (ii) que, desde a sua independência, a
Argentina reivindica a soberania sobre as Ilhas, nunca tendo aceitado a tomada
ilegal da Ilha pela Grã-Bretanha[8].
Nesse
contexto, vale destacar a importância do Comitê de Descolonização da ONU,
criado em 1962, por incentivar o processo de independência dos territórios
colonizados, proclamando a necessidade de por fim incondicionalmente ao
colonialismo. Para isso, o referido Comitê elaborou uma lista de territórios não
autônomos, na qual se encontra as Ilhas Malvinas [9].
Em 1965, o Comitê declarou
definitivamente que a situação das Malvinas se trata de descolonização e que os
dois países devem solucionar pacificamente o impasse através de negociações. No
mesmo ano, a Assembleia-Geral da ONU, com a Resolução 2.065, reiterou a
necessidade das negociações para solucionar o referido impasse [10].
Diante das
pressões, a Grã-Bretanha até iniciou um processo de negociação, mas que de fato
nunca prosperou. Esse certamente é um dos fatores que impulsionou a invasão da
Argentina nas Ilhas Malvinas em 1982: a impossibilidade de negociação com a
Grã-Bretanha.
Sobre a
situação conflituosa das Ilhas Malvinas, o Mercosul já tomou um posicionamento
claro, entendendo que não é razoável que uma potência internacional
demasiadamente distante esteja se beneficiando e se afirmando no Atlântico Sul.[11]
Em dezembro de
2012, os presidentes dos países do Mercosul declararam ainda que o provável
referendo que será realizado em 2013 nas Ilhas Malvinas sobre o seu possível direito
de autodeterminação em nada influirá na questão.[12]
Isso por que os kelpers, como são chamados os moradores das Ilhas Malvinas, não são
considerados os nativos da terra, mas sim descentes ingleses levados a Ilha
principalmente depois de 1982, término Guerra com a vitória britânica.
Os kelpers, no entanto, em sua maioria consideram
as Malvinas como território ultramarino britânico, totalmente autogovernado, a
exceções de dois aspectos: política externa e defesa, os quais são totalmente
dependentes da Grã-Bretanha.[13]
Os presidentes
do Mercosul declararam também que rejeitam a presença militar britânica nas
Ilhas Malvinas, assim como rechaçam as ações uniliterais do governo britânico
de exploração dos recursos naturais ali presentes.[14]
Fato incontroverso
é que, com a conduta do governo de Cristina Kirchner, a situação das Malvinas
volta ser instável. Atualmente, os kelpers
tratam os argentinos com grande hostilidade, visto os bloqueios econômicos, as
tentativas de obstar os voos que partem do Chile com destino as Malvinas e as ameaças
às empresas de petróleo que o governo argentino vem conduzindo como tentativa
de forçar a negociação sobre a soberania das Ilhas.
Da
mesma forma, o Reino Unido reagiu com apreensão aos embargos do Mercosul –
especificamente da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai – às
Malvinas, os quais proibiram a entrada de embarcações com bandeira malvinense
em seus portos.[15]
Geograficamente,
facilmente observamos que as Ilhas Malvinas dependem sim da Argentina e dos
demais países da América do Sul. A partir do momento que as Ilhas Malvinas são
isoladas desses países, a região, na verdade, não passará de um território
ocupado e mantido pela Grã-Bretanha como forma de exploração dos recursos
naturais que ali se fazem presentes.
Por fim, resta claro que, tendo o Comitê
de Descolonização da ONU declarado, desde 1965, que as Malvinas são colonizadas
pela Grã-Bretanha, não há outra saída a não ser a independência das Ilhas ou a
reintegração à Argentina, sendo essas as únicas hipóteses para solucionar o
presente caso que encontram respaldo na Declaração sobre a
Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais[16].
Ademais, não sendo eficazes as negociações diplomáticas, como não desmonstraram
ser neste caso, há de ser analisada a possibilidade, ou melhor, a necessidade,
de se buscar outros meios de solução de conflito, até mesmo a submissão do caso
à Corte Internacional de Justiça.
Contudo, não
pode ser esquecido que a ineficácia das negociações diplomáticas e, inclusive,
a inércia da ONU, no caso das Malvinas, são facilmente justificadas, e até
mesmo previsíveis, tendo em vista a importância da Grã-Bretanha no contexto
histórico, político e econômico mundial, sendo inclusive membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU, frente a não tão expressiva representatividade da
Argentina nos foros internacionais.
Paula Juliana Felix Silva
Secretaria Acadêmica SONU 2013
REFERÊNCIAS
[1] NIEVAS,
Flabián y BONAVENA, Pablo. Una guerra inesperada: el
combate por Malvinas en 1982. Cuadernos de Marte. Revista latinoamericana de
sociología de la guerra. Facultad de Ciencias Sociales – Universidad de Buenos
Aires. NRO. III, Año 2, Jul. 2012.
[2] As Ilhas
Malvinas, situadas na região subantártica do Atlântico Sul, estão a uma distância
de 483 km da costa da Argentina e a cerca de 14 mil km do Reino Unido. São
formadas, principalmente, por duas grandes ilhas chamadas pelos argentinos de
Isla Soledad e de Isla Gran Malvina.
[3] Entrevista concedida para Globo
News, programa Sem Fronteiras de 26/01/2012.
[4]BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz.
Guerra das Malvinas: petróleo e geopolítica. Revista Espaço Acadêmico – Nº 132.
Maio de 2012. Mensal – ANO XI – ISSN 1519-6186.
[5] DAROS CARDOSO, Camila e VALENTE
CARDOSO, Oscar. As Malvinas são argentinas? Revista do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, v. 22, n.5, maio de 2010.
[6] Nesse tocante, vale salientar
que, de acordo com Bandeira (2012, p.158), as reservas de petróleo em torno das
Ilhas Malvinas são estimadas em 450 milhões de barris e já estão sendo
exploradas pelas empresas Rockhopper, Falkland Oiland Gas Limited e a Borders e
Suothern Petroleum. (Vide referência 4).
[7] Dessa
forma, vale destaque o fato de que a Guerra das Malvinas também é considerada
uma estratégia de governo para ganhar a opinião pública e fazer surgir
novamente o sentimento patriótico no povo argentino. No entanto, não se pode
deixar de analisar o efeito que essa errónea estratégia de governo causou,
ocultando os legítimos interesses da Argentina sobre as Ilhas. Os argentinos
defendem que o verdadeiro ideal da Guerra das Malvinas foi confundido pela
instabilidade política vivida pela Argentina em 1982.
[8]
RAMINA, Larissa. Malvinas:
resquício colonial no espaço do Mercosul. 2012. http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19887 (acesso em 1º de jan. de 2013)
[9] Segue o link da Resolução
A/67/71 de 2012 da Assembleia-Geral da ONU que trata dos territórios não
autônomos: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N12/263/15/PDF/N1226315.pdf?OpenElement (acesso em 2 de jan. de 2013)
[10] Link da Resolução 2.065 da
Assembleia-Geral da ONU, “Cuestión de las Islas Malvinas (FalkLand Islands): http://daccess-ddny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/222/03/IMG/NR022203.pdf?OpenElement (acesso em 2 de jan. de 2013)
[11] Carta Capital. América Latina
apoia Argentina nas Malvinas. http://www.cartacapital.com.br/internacional/america-latina-apoia-argentina-nas-malvinas/ (acesso em 1º de jan. de 2013)
[12] El Malvinense. Mercosur rechaza
referendum em Malvinas. http://www.malvinense.com.ar/smalvi/2012/2253.htm (acesso em 1º de jan. de 2013)
[13]
Neste tocante, Daros
Cardoso e Vicente Cardoso fizeram uma interessante colocação, pois se deve
refletir sobre a legitimidade desses ingleses para decidir a qual país
pertencem as Ilhas; seriam eles considerados o povo daquela região – mesmo
tendo sido fruto da recente importação britânica com vistas a colonização?
Determinar-se-ia então a quem pertence a Ilhas pela decisão da maioria dos kelpers?
[14] El
Malvinense. Cumbre Iberoamericana rechaza la presencia militar en Malvinas. http://www.malvinense.com.ar/smalvi/2012/2246.htm
(acesso em 1º de jan. de 2013)
[15] Fundação Ulysses Guimarães. Solidário
à Argentina, Mercosul impõe Embargo às Malvinas. http://www.fundacaoulyssespr.org.br/noticias/39,Solidario-a-Argentina-Mercosul-impoe-Embargo-as-Malvinas (acesso em 1º de jan. de 2013)
[16] Vale ressaltar o conteúdo do artigo 5º da Declaração sobre a
Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais: Em los territorios en fideicomiso y no autónomos y en todos los demás
territorios que no han logrado aún su independencia deberán tomarse
inmediatamente medida para traspasar todos los poderes a los pueblos de esos
territorios, sin condiciones ni reservas, en conformidad com su voluntad y sus
deseos libremente expresados, y sin distinción de raza, credo ni color, para
permitirles gozar de una libertad y yna independencia absolutas. Link da Declaração: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/156/42/IMG/NR015642.pdf?OpenElement (acesso em 2 de jan. de 2013)
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