26 de dezembro de 2012

SONU ACADÊMICO #6



      (Fonte: The Atlantic)

OS EFEITOS DA PRIMAVERA ÁRABE E A DIFICULDADE EM SE LEGITIMAR UM GOVERNO DEMOCRÁTICO NO EGITO



        Há exatos dois anos, o mundo inteiro acompanhou as manifestações populares ocorridas em países do Oriente Médio e norte da África, manifestações estas que buscavam maior democracia, participação popular e respeito a direitos humanos, sendo chamadas por muitos de “Primavera Árabe”.

     Todos ficaram estupefatos ao ver o vendedor ambulante de frutas e verduras Muhammad Bouazizi incendiar seu próprio corpo em frente ao palácio do Governo Tunisino, por ter sua licença cassada e se ver impossibilitado de exercer sua profissão. A partir desse momento, Bouazizi tornou-se o símbolo da Primavera Árabe, levando grande parte da população a queimar pneus e gritarem palavras de ordem, exigindo empregos e liberdade. A Primavera Árabe mostrou ao restante do mundo que as populações de países como Tunísia, Líbia e Egito também buscavam, da maneira que lhes foi mais apropriada, algo que para os ocidentais é obviamente necessário para o desenvolvimento de um Estado: a Democracia.

         Após meses de protestos e manifestações, em sua maioria facilitados pelo uso das redes sociais (vide SONU Acadêmico #2), além de repressão violenta por parte do Estado e milhares de mortos de ambos os lados, a população egípcia conseguiu, em apenas 18 dias, derrubar o Governo do Ditador Hosni Mubarak, que estava no poder há 30 anos. Tal feito apenas foi alcançado com o apoio das Forças Armadas, que interferiram na queda de Mubarak e, posteriormente, instauraram um governo de coalizão de caráter temporário, com o intuito de preparar o estado egípcio para uma democracia.

       Após novas manifestações na Praça Tahrir contra um Governo militar que aparentemente não pretendia abandonar o poder, foram realizadas eleições parlamentares, cujo resultado indicou a maioria dos assentos para o partido islâmico “Irmandade Muçulmana”. Mesmo com inúmeras suspeitas de compra de votos, Mohamed Morsi, representante da Irmandade Muçulmana, assumiu o cargo de presidente egípcio, eleito democraticamente pela população que, um ano antes, houvera insurgido pelo direito ao sufrágio livre.

       No entanto, o cenário da Primavera Árabe no Egito - a Praça Tahrir -, continua, depois de quase dois anos, ocupada por manifestantes descontentes com o novo governo pedindo a queda de um ditador. O autocrata que o povo quer ver pelas costas, agora, é outro: Morsi está sendo acusado pelos manifestantes de ter maculado os ideais dos levantes populares de 2011.

        Os levantes surgiram após a promulgação de um decreto presidencial de 22 de novembro de 2012 que, na prática, garante ao presidente Morsi poderes acima do Poder Judiciário. Milhares de manifestantes cristãos, muçulmanos seculares, liberais e socialistas protestaram no centro do Cairo contra os “superpoderes” autoconcedidos ao Poder Executivo. Mais recentemente, a Assembleia Nacional Constituinte, dominada pelos islamistas, ratificou os 230 artigos de uma Constituição que aproxima mais ainda o Estado egípcio à religião Muçulmana, conferindo diversos poderes a Clérigos muçulmanos, permitindo a censura, além de desrespeitar os direitos humanos, estes reconhecidos internacionalmente.

       Surge, então, um questionamento que vai além dos fatos e adentra na esfera jurídico-política: até que ponto é legítimo um poder democraticamente eleito, mas que não é envolvido de fundamento jurídico? Será possível (e preferível) ter-se um Estado Democrático, porém não de Direito?

        Cabe, neste azo, relembrar um famoso caso em que um presidente eleito democraticamente, por meio de um partido nacional-socialista, modificou todo o ordenamento jurídico de um país, desconsiderando ideais de direitos humanos e cooperação entre os povos, criminalizando populações pelo simples fato de não serem da raça ariana. Estamos falando de Adolf Hitler, presidente eleito pelo povo alemão em 1933, pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.

      Comparativamente, em ambos os casos, o chefe do Poder Executivo, eleito democraticamente, extrapola os limites jurídicos e fere de morte a divisão e independência entre Poderes. Ao conferir a si mesmo poderes que ultrapassam os limites do Poder Judiciário, o Presidente acaba se tornando um ditador e o povo, que a princípio seria o detentor do Poder Público, passa a ser vítima de atrocidades e desmandos.
 
      O Estado de Direito impõe a seus representados e representantes a obediência à lei, aos preceitos normativos, seja no âmbito público seja no privado, sempre respeitando e seguindo os preceitos estabelecidos em uma Constituição. Esse conceito surgiu quando do Estado Liberal e da necessidade da burguesia de buscar proteger-se contra as arbitrariedades da Nobreza Aristocrática da época. Já o Estado Democrático surgiu, no contexto do Estado Social, para buscar legitimar o poder deste, promovendo não apenas uma liberdade negativa (como no Estado de Direito, em que o cidadão se distanciava do Estado), mas uma liberdade positiva, que representa o exercício democrático do poder, que por fim o legitima.

       Mais do que uma junção do Estado Liberal com o Estado Social, o Estado Democrático de Direito assume um papel inovador, buscando legitimar o Poder Estatal, ao mesmo tempo em que este deve ser regulado pela Constituição e por leis, pelo próprio Estado criadas, decorrentes, porém, da representação popular.
 

       HABBERMAS (2003, p.68)
já havia se expressado quanto à função inovadora do Estado Democrático de Direito:
É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita dos seus endereçados reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem- se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido.
  
     De acordo com ZIMMERMANN (2002. p. 64-65), sob este aspecto, o Estado Democrático de direito é caracterizado por uma sociedade política baseada numa Constituição escrita, que seja reflexo do contrato social estabelecido entre todos os membros da coletividade; pelo reconhecimento dos direitos fundamentais que devem ser tratados como inalienáveis da pessoa humana; pela preocupação com o respeito aos direitos das minorias; e pela igualdade de todos perante a lei.

    Não se está, no entanto, respeitando os limites no regime presidencial e democrático no Egito. O Presidente Muhhamed Morsi assume diversos poderes absurdos, fazendo questão de posicionar-se acima do Poder Judiciário, desconsiderando, dessa forma, anseios dos manifestantes da Primavera Árabe, que ansiavam por escapar de políticos dotados de poderes suficientes para, inclusive, desrespeitar direitos humanos reconhecidos internacionalmente.

     Por isso, esperamos que, a tempo, não tenham sido em vão as manifestações e protestos presenciados durante a Primavera Árabe e que as instituições políticas de países como o Egito não sejam engolidas pela ganância ou por interesses individualistas e religiosos, como da Irmandade Muçulmana, que pretende balizar a nova Constituição com um teor religioso, a despeito do intento das minorias, como cristãos, socialistas, liberais e muçulmanos seculares.



Ricardo Antônio Maia de Morais Júnior
Secretário de Finanças da SONU 2013



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REFERÊNCIAS


HABERMAS, J.; HÄBERLE, P. Sobre a legitimação pelos direitos humanos. In: MERLE, J.; MOREIRA, L.(Org). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003, p. 68.

ZIMMERMANN, A. Curso de direito constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

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