Palestinos comemoram o reconhecimento dado pela ONU em Ramallah - Fonte: The Guardian
O RECONHECIMENTO DA ONU E A ASCENSÃO DA PALESTINA AO STATUS DE ESTADO
Ao longo dos últimos 65 anos, o povo palestino tem lutado – no
sentido mais literal da palavra – para conseguir sua independência e
reconhecimento como Estado soberano.[1]
Dominado durante muito tempo pelo Reino Unido e, posteriormente, por
Israel, o povo palestino, no último 29 de novembro, vivenciou um dos dias mais
importantes de sua história. Com 138 votos favoráveis, 9 votos contrários e 41
abstenções, a Palestina conquistou, junto à Organização das Nações Unidas, o
status de Estado observador.[2]
Aspectos políticos e históricos à parte, esse reconhecimento traz,
para o Direito Internacional, interessantes questionamentos acerca do conceito
e da constituição de um Estado. Afinal, qual é a verdadeira importância do
reconhecimento internacional para um Estado? Seria possível assegurar a
existência de um Estado mesmo sem este ter sido devidamente reconhecido pela
comunidade internacional?
Na acepção de Georg Jellinek (1914, apud BONAVIDES, 1993, p. 56), o Estado deve ser visto como “a
corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um
poder originário de mando”.[3] Já
para Francisco Rezek, o Estado seria o sujeito originário de direito
internacional, o qual “ostenta três elementos: uma base territorial, uma
comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não
subordinada a qualquer autoridade exterior”.[4]
Accioly, Casella e Silva, por sua vez, adota o conceito dado pela Convenção de
Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados[5],
qual seja, o Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os
seguintes requisitos: (i) população
permanente; (ii) território
determinado; (iii) governo; e (iv) capacidade de entrar em relações com
os demais Estados.[6]
Do mesmo modo, a Comissão de Arbitragem da Conferência Europeia sobre a
Iugoslávia, em seu Parecer n°. 1, declarou que o Estado é comumente definido
como uma comunidade formada por um território e uma população sujeitos a uma
autoridade política organizada, sendo a soberania uma característica de tal
Estado.[7]
Essa aparente similaridade entre os diversos conceitos aqui expostos
revelam certo consentimento entre a doutrina especializada quanto à
constituição tridimensional do Estado – povo, território e soberania. Não
obstante, Malcolm N. Shaw ressalta que outros fatores também podem intervir
nessa estruturação do Estado, dentre eles a autodeterminação e o
reconhecimento, conquanto possa variar o peso relativo atribuído a cada um
desses critérios em situação particulares.[8]
O exame, portanto, do instituto do reconhecimento de Estado faz-se
de extrema importância na medida em que este se refere à capacidade de o ente
estatal manter vínculos com outros Estados e organismos internacionais e, consequentemente,
inserir-se efetivamente na dinâmica das relações internacionais.[9]
A Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), no entanto,
ressalta que “a existência política do Estado é independente do reconhecimento
de outros Estados”, tendo aquele o direito de defender sua integridade e
independência, mesmo antes de ser reconhecido.[10]
Do mesmo modo o Institut de Droit
International assevera que a existência do novo Estado, com todos os
efeitos jurídicos a ela atinentes, não é afetada pela recusa de reconhecimento
por parte de um ou mais Estados.[11]
Logo, como seria possível falar da intervenção na concepção do Estado pelo
reconhecimento internacional?
Apesar da dicotômica relação entre as teorias constitutiva[12] e
declaratória[13]
quanto à sua natureza, o instituto do reconhecimento é tido como um juízo
puramente político. Embora atenda aos parâmetros do direito internacional
necessários à sua concepção, um Estado, se não reconhecido por ninguém, pode
sofrer prejuízos ao exercício de seus direitos e deveres – sobretudo em vista
da ausência de relações diplomáticas –, mas, sob o ponto de vista jurídico, tal
situação não seria um argumento decisivo contra a sua própria personalidade
estatal.[14]
Logo, é essa acepção do uso do reconhecimento como forma de garantia
que, na prática, os Estados tendem a seguir.[15]
Adotam, pois, uma postura na qual o ato de reconhecimento de um ente estatal
por outro serviria apenas para indicar que, na opinião deste último, o primeiro
atendeu aos requisitos básicos do direito internacional quanto à criação de um
Estado. Não obstante, isso necessariamente não significa que o ato de
reconhecimento seja legalmente constitutivo, pois não é por ele que a nova
entidade estatal adquire direitos e deveres.
Trazendo todos esses entendimentos para o caso inicialmente abordado
neste texto, percebe-se que, do ponto de vista jurídico, o reconhecimento
recentemente dado pela ONU à Palestina em pouco mudará a sua atual situação.
Isso porque a Palestina, mesmo com sua independência declarada desde novembro
de 1988,[16]
ainda não possui o controle efetivo de nenhum território que reivindica para
si. Impossível, portanto, ser considerada como um Estado válido.[17]
Esse reconhecimento, todavia, apresenta maior relevância quando
analisado sob um viés mais político, principalmente pelo apelo que ele traz
consigo. As Nações Unidas, ao reconhecerem a Palestina como um Estado
observador, legitimam os anseios desse povo e endossam o apoio da comunidade
internacional à sua causa. Tal ato, portanto, terá mais serventia como um meio
de pressão a Israel do que propriamente de concretização do tão almejado Estado
da Palestina.[18]
Dessa forma, muito embora represente uma grande vitória para o povo
palestino, o reconhecimento aferido pela ONU deve ser visto, a princípio, com
bastante cautela, principalmente quando observadas as últimas atitudes de
Israel sobrevindas desse incidente.[19]
A estabilidade daquela região ainda está muito longe de ser
atingida, e seria muito prematuro, neste momento, afirmar que o reconhecimento
recentemente alcançado pela Palestina irá colaborar para o fim dos conflitos
ali existentes. Talvez um dia, em um futuro próximo, isso realmente ocorra, mas
isso são cenas para os próximos capítulos. No momento, o passo mais correto a
ser dado é o reinício das negociações entre as partes interessadas – prezando
sempre, por óbvio, pelo respeito e pela boa diplomacia –, a fim de se evitar
futuros e maiores incidentes de violência no território palestino.
Thales Veras Pereira de Matos Filho
Secretário Acadêmico da SONU 2012
REFERÊNCIAS:
[1] THE QUESTION OF PALESTINE . History of the question of palestine. Disponível em: <http://unispal.un.org/unispal.nsf/home.htm?OpenForm>. Acesso em: 2 dez. 2012.
[1] THE QUESTION OF PALESTINE . History of the question of palestine. Disponível em: <http://unispal.un.org/unispal.nsf/home.htm?OpenForm>. Acesso em: 2 dez. 2012.
[2] REUTERS. Palestinos
conquistam reconhecimento implícito de Estado soberano na ONU. Disponível
em: <http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE8AS0C620121130>.
Acesso em: 2 dez. 2012.
[3] JELLINEK, Georg. Allgemeine Staatslehre. In: BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 56.
[4] REZEK, Francisco. Direito
internacional público: curso elementar. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 165.
[5] A Convenção de Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados foi
um tratado firmado em 26 de dezembro de 1933, por ocasião da Sétima Conferência
Internacional Americana, no qual se estabeleceu as prerrogativas e os critérios
em que um Estado poderia estar integrado ao Direito Internacional. Para mais
informações, ver documento original em: <http://www.oas.org/juridico/english/treaties/a-40.html>.
Acesso em: 2 dez. 2012.
[6] ACCIOLY, Hildebrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, G. E. do
Nascimento e. Manual de direito internacional público. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 256.
[7] PELLET, Alain. The opinions of the Badinter Arbitration Committee a second breath for
the self-determination of peoples. Disponível em:
<http://207.57.19.226/journal/Vol3/No1/art12-13.pdf>.
Acesso em: 3 dez. 2012.
[8] SHAW, Malcolm N. Direito
internacional. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias dos
Nascimento e Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010,
p. 149.
[9] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 2. ed. Salvador:
JusPodivm, 2010, p. 156.
[10] ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm#ch4>.
Acesso em: 4 dez. 2012.
[11] INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL. La reconnaissance des nouveaux Etats et des
nouveaux gouvernements. Disponível em : <http://www.idi-iil.org/idiF/resolutionsF/1936_brux_01_fr.pdf>.
Acesso em: 4 dez. 2012.
[12] Segundo essa teoria, é o ato de reconhecimento por parte de outros
Estados, e não o processo pelo qual é obtida de fato a independência, que cria
um novo Estado e dota-o de personalidade jurídica (SHAW, Malcolm N. op. cit.,
p. 303).
[13] Para essa teoria, o reconhecimento é mera aceitação, pelos Estados,
de uma situação já existente, logo um Estado não adquiriria capacidade no
direito internacional em virtude do consentimento alheio, mas em virtude de uma
determinada situação de fato (SHAW, Malcolm N. op. cit., p. 303-304).
[14] SHAW, Malcolm N. op. cit. p. 303-305.
[15] Idem. op. cit. p. 304.
[16] Em 1988, a reunião do Conselho Nacional Palestino, em Argel,
proclamou o estabelecimento do Estado da Palestina. Carta direcionada ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas:
[17] Idem. op. cit. p. 149.
[18] COUNCIL IN FOREIGN RELATIONS. Palestinian Statehood at the UN. Disponível em: <http://www.cfr.org/palestinian-authority/palestinian-statehood-un/p25954?cid=rss-analysisbriefbackgroundersexp-palestinian_statehood_at_the_u-113012>.
Acesso em: 6 dez. 2012.
[19] OPERA MUNDI. Israel congela
repasse de receitas fiscais para a Palestina. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/25745/israel+congela+repasse+de+receitas+fiscais+para+a+palestina.shtml
>. Acesso em: 6 dez. 2012.
1 comentários:
Sensacional!
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