12 de dezembro de 2012

SONU ACADÊMICO #5

Palestinos comemoram o reconhecimento dado pela ONU em RamallahFonte: The Guardian

 

 

O RECONHECIMENTO DA ONU E A ASCENSÃO DA PALESTINA AO STATUS DE ESTADO




Ao longo dos últimos 65 anos, o povo palestino tem lutado – no sentido mais literal da palavra – para conseguir sua independência e reconhecimento como Estado soberano.[1]

Dominado durante muito tempo pelo Reino Unido e, posteriormente, por Israel, o povo palestino, no último 29 de novembro, vivenciou um dos dias mais importantes de sua história. Com 138 votos favoráveis, 9 votos contrários e 41 abstenções, a Palestina conquistou, junto à Organização das Nações Unidas, o status de Estado observador.[2]

Aspectos políticos e históricos à parte, esse reconhecimento traz, para o Direito Internacional, interessantes questionamentos acerca do conceito e da constituição de um Estado. Afinal, qual é a verdadeira importância do reconhecimento internacional para um Estado? Seria possível assegurar a existência de um Estado mesmo sem este ter sido devidamente reconhecido pela comunidade internacional?

Na acepção de Georg Jellinek (1914, apud BONAVIDES, 1993, p. 56), o Estado deve ser visto como “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.[3] Já para Francisco Rezek, o Estado seria o sujeito originário de direito internacional, o qual “ostenta três elementos: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não subordinada a qualquer autoridade exterior”.[4] Accioly, Casella e Silva, por sua vez, adota o conceito dado pela Convenção de Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados[5], qual seja, o Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes requisitos: (i) população permanente; (ii) território determinado; (iii) governo; e (iv) capacidade de entrar em relações com os demais Estados.[6] Do mesmo modo, a Comissão de Arbitragem da Conferência Europeia sobre a Iugoslávia, em seu Parecer n°. 1, declarou que o Estado é comumente definido como uma comunidade formada por um território e uma população sujeitos a uma autoridade política organizada, sendo a soberania uma característica de tal Estado.[7]

Essa aparente similaridade entre os diversos conceitos aqui expostos revelam certo consentimento entre a doutrina especializada quanto à constituição tridimensional do Estado – povo, território e soberania. Não obstante, Malcolm N. Shaw ressalta que outros fatores também podem intervir nessa estruturação do Estado, dentre eles a autodeterminação e o reconhecimento, conquanto possa variar o peso relativo atribuído a cada um desses critérios em situação particulares.[8]

O exame, portanto, do instituto do reconhecimento de Estado faz-se de extrema importância na medida em que este se refere à capacidade de o ente estatal manter vínculos com outros Estados e organismos internacionais e, consequentemente, inserir-se efetivamente na dinâmica das relações internacionais.[9]

A Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), no entanto, ressalta que “a existência política do Estado é independente do reconhecimento de outros Estados”, tendo aquele o direito de defender sua integridade e independência, mesmo antes de ser reconhecido.[10] Do mesmo modo o Institut de Droit International assevera que a existência do novo Estado, com todos os efeitos jurídicos a ela atinentes, não é afetada pela recusa de reconhecimento por parte de um ou mais Estados.[11] Logo, como seria possível falar da intervenção na concepção do Estado pelo reconhecimento internacional?

Apesar da dicotômica relação entre as teorias constitutiva[12] e declaratória[13] quanto à sua natureza, o instituto do reconhecimento é tido como um juízo puramente político. Embora atenda aos parâmetros do direito internacional necessários à sua concepção, um Estado, se não reconhecido por ninguém, pode sofrer prejuízos ao exercício de seus direitos e deveres – sobretudo em vista da ausência de relações diplomáticas –, mas, sob o ponto de vista jurídico, tal situação não seria um argumento decisivo contra a sua própria personalidade estatal.[14]

Logo, é essa acepção do uso do reconhecimento como forma de garantia que, na prática, os Estados tendem a seguir.[15] Adotam, pois, uma postura na qual o ato de reconhecimento de um ente estatal por outro serviria apenas para indicar que, na opinião deste último, o primeiro atendeu aos requisitos básicos do direito internacional quanto à criação de um Estado. Não obstante, isso necessariamente não significa que o ato de reconhecimento seja legalmente constitutivo, pois não é por ele que a nova entidade estatal adquire direitos e deveres.

Trazendo todos esses entendimentos para o caso inicialmente abordado neste texto, percebe-se que, do ponto de vista jurídico, o reconhecimento recentemente dado pela ONU à Palestina em pouco mudará a sua atual situação. Isso porque a Palestina, mesmo com sua independência declarada desde novembro de 1988,[16] ainda não possui o controle efetivo de nenhum território que reivindica para si. Impossível, portanto, ser considerada como um Estado válido.[17]

Esse reconhecimento, todavia, apresenta maior relevância quando analisado sob um viés mais político, principalmente pelo apelo que ele traz consigo. As Nações Unidas, ao reconhecerem a Palestina como um Estado observador, legitimam os anseios desse povo e endossam o apoio da comunidade internacional à sua causa. Tal ato, portanto, terá mais serventia como um meio de pressão a Israel do que propriamente de concretização do tão almejado Estado da Palestina.[18]

Dessa forma, muito embora represente uma grande vitória para o povo palestino, o reconhecimento aferido pela ONU deve ser visto, a princípio, com bastante cautela, principalmente quando observadas as últimas atitudes de Israel sobrevindas desse incidente.[19]

A estabilidade daquela região ainda está muito longe de ser atingida, e seria muito prematuro, neste momento, afirmar que o reconhecimento recentemente alcançado pela Palestina irá colaborar para o fim dos conflitos ali existentes. Talvez um dia, em um futuro próximo, isso realmente ocorra, mas isso são cenas para os próximos capítulos. No momento, o passo mais correto a ser dado é o reinício das negociações entre as partes interessadas – prezando sempre, por óbvio, pelo respeito e pela boa diplomacia –, a fim de se evitar futuros e maiores incidentes de violência no território palestino.





Thales Veras Pereira de Matos Filho
Secretário Acadêmico da SONU 2012




REFERÊNCIAS:

[1]
THE QUESTION OF PALESTINE . History of the question of palestine. Disponível em: <http://unispal.un.org/unispal.nsf/home.htm?OpenForm>. Acesso em: 2 dez. 2012.
[2] REUTERS. Palestinos conquistam reconhecimento implícito de Estado soberano na ONU. Disponível em: <http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE8AS0C620121130>. Acesso em: 2 dez. 2012.
[3] JELLINEK, Georg. Allgemeine Staatslehre. In: BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 56.
[4] REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 165.
[5] A Convenção de Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados foi um tratado firmado em 26 de dezembro de 1933, por ocasião da Sétima Conferência Internacional Americana, no qual se estabeleceu as prerrogativas e os critérios em que um Estado poderia estar integrado ao Direito Internacional. Para mais informações, ver documento original em: <http://www.oas.org/juridico/english/treaties/a-40.html>. Acesso em: 2 dez. 2012.
[6] ACCIOLY, Hildebrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, G. E. do Nascimento e.  Manual de direito internacional público. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 256.
[7] PELLET, Alain. The opinions of the Badinter Arbitration Committee a second breath for the self-determination of peoples. Disponível em: <http://207.57.19.226/journal/Vol3/No1/art12-13.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2012.
[8] SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias dos Nascimento e Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 149.
[9] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 156.
[10] ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm#ch4>. Acesso em: 4 dez. 2012.
[11] INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL. La reconnaissance des nouveaux Etats et des nouveaux gouvernements. Disponível em : <http://www.idi-iil.org/idiF/resolutionsF/1936_brux_01_fr.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2012.
[12] Segundo essa teoria, é o ato de reconhecimento por parte de outros Estados, e não o processo pelo qual é obtida de fato a independência, que cria um novo Estado e dota-o de personalidade jurídica (SHAW, Malcolm N. op. cit., p. 303).
[13] Para essa teoria, o reconhecimento é mera aceitação, pelos Estados, de uma situação já existente, logo um Estado não adquiriria capacidade no direito internacional em virtude do consentimento alheio, mas em virtude de uma determinada situação de fato (SHAW, Malcolm N. op. cit., p. 303-304).
[14] SHAW, Malcolm N. op. cit. p. 303-305.
[15] Idem. op. cit. p. 304.
[16] Em 1988, a reunião do Conselho Nacional Palestino, em Argel, proclamou o estabelecimento do Estado da Palestina. Carta direcionada ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas:
[17] Idem. op. cit. p. 149.
[18] COUNCIL IN FOREIGN RELATIONS. Palestinian Statehood at the UN. Disponível em: <http://www.cfr.org/palestinian-authority/palestinian-statehood-un/p25954?cid=rss-analysisbriefbackgroundersexp-palestinian_statehood_at_the_u-113012>. Acesso em: 6 dez. 2012.
[19] OPERA MUNDI. Israel congela repasse de receitas fiscais para a Palestina. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/25745/israel+congela+repasse+de+receitas+fiscais+para+a+palestina.shtml >. Acesso em: 6 dez. 2012.

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