Moradores da favela Pinheirinho armados com escudos e bastões, esperando a chegada de policiais com ordem judicial para expulsá-los de terreno invadido, em São José dos Campos (SP) - Fonte: Folha de S. Paulo
DIREITO À MORADIA ADEQUADA:
OBRIGAÇÃO INTERNACIONAL, DESAFIO LOCAL
Em notícia veiculada no Jornal Diário do Nordeste de 30 de outubro de
2012, o prefeito eleito de Fortaleza, Roberto Cláudio, afirmou que dará prioridade
às obras de mobilidade urbana, incluídas as que visam a Copa do Mundo,
inclusive as desapropriações relacionadas às intervenções na Via Expressa.[1]
No mesmo periódico, no dia seguinte, o secretário municipal da
Coordenadoria de Projetos Especiais, Relações Institucionais e Internacionais,
Geraldo Accioly, considerou que transferir os moradores da Via Expressa e
levá-los para um conjunto habitacional a 20 Km de onde eles moram seria um
crime e que esta medida implicará em grande reação das comunidades.[2]
Tais pronunciamentos, diametralmente opostos, vindos de pessoas que
integram/integrarão a gestão municipal de uma mesma cidade, traz à tona, dentre
tantos, o seguinte questionamento: quais mecanismos internacionais resguardam
esses moradores, assegurando-lhes o respeito aos seus direitos enquanto seres
humanos?
Em 1976, entrou em vigor o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Ratificado pelo Brasil em 1992[3],
este pacto apresenta, como elo comum ao conjunto de direitos nele declarados, a
proteção das classes ou grupos sociais desfavorecidos, contra a dominação
socioeconômica exercida pela minoria rica e poderosa[4].
Para o estudo em tela, destacamos do presente Pacto o artigo 11o,
n.o 1, in verbis:
Os Estados-Partes do presente Pacto
reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si
próprio e sua família inclusive à alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os
Estados-Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse
direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação
internacional fundada no livre consentimento. (Grifo nosso)
O Comentário Geral n.o
4, adotado em 1991, sobre o direito a uma habitação condigna[5],
do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas,
ressalta que esse direito não deve ser interpretado em sentido estrito ou
restritivo, logo não devendo ser a moradia encarada como um mero abrigo,
independente de suas condições estruturais, ou ainda como uma mercadoria,
devido aos fatores comerciais envolvidos em sua aquisição/posse. Ao revés, tal
direito deve ser visto como o direito de viver num local em segurança, com paz
e dignidade.
Ainda segundo esse Comentário, esta visão mais ampla do direito à moradia deve-se a duas razões. A primeira é o fato de tal direito estar intrinsecamente relacionado a outros direitos humanos e aos princípios fundamentais que nortearam a elaboração do Pacto supramencionado. Em segundo lugar, a referência feita no artigo 11o, n.o 1 deve ser entendida como referente à moradia adequada que, para a Comissão de Assentamentos Humanos[6], remete à ideia de privacidade, espaço, segurança, iluminação e ventilação, infraestrutura básica e localização adequados e a um custo razoável.[7]
Ainda segundo esse Comentário, esta visão mais ampla do direito à moradia deve-se a duas razões. A primeira é o fato de tal direito estar intrinsecamente relacionado a outros direitos humanos e aos princípios fundamentais que nortearam a elaboração do Pacto supramencionado. Em segundo lugar, a referência feita no artigo 11o, n.o 1 deve ser entendida como referente à moradia adequada que, para a Comissão de Assentamentos Humanos[6], remete à ideia de privacidade, espaço, segurança, iluminação e ventilação, infraestrutura básica e localização adequados e a um custo razoável.[7]
Além disso, o termo moradia adequada faz menção, dentre tantos
princípios, à segurança jurídica da posse, ou seja, independente do tipo de
posse, toda pessoa deve possuir um grau de segurança que garanta a proteção
legal contra a remoção forçada e outras ameaças.[8]
Complementando o tema, a Conferência HABITAT II, ou Cúpula das Cidades,
que ocorreu em Istambul em 1996, promovida pela Organização das Nações Unidas,
ressalta que os governos, incluso as autoridades locais, devem proteger todas
as pessoas, oferecendo-lhes proteção legal e reparação por despejos forçados
contrários à lei. Quando os despejos são inevitáveis, devem garantir, conforme
o caso, que as soluções alternativas adequadas sejam providenciadas[9].
Além disso, o Rapport sur le
développement humain 2000[10],
produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), informa
que:
Em 1996, um grupo de especialistas das
Nações Unidas definiu as prioridades do Estado em matéria de moradia: garantir
a posse nas localidades, impedir a discriminação, proibir as expulsões ilegais
e em massa, fornecer abrigo aos "sem-teto" e promover a participação
dos indivíduos e das famílias sem moradia.[11]
(Tradução nossa)
Face ao exposto, entende-se que, no estado contemporâneo em que vivemos,
constantes mudanças infraestruturais são necessárias para a adequação das
cidades às necessidades da vida moderna. Por outro lado, sobrepondo-se ao
desenvolvimento desenfreado dos centros urbanos, em especial no atual contexto
de realização de megaeventos, há o direito humano à moradia adequada.
A ocorrência da remoção forçada é justificada apenas em circunstâncias
muito excepcionais, com especial atenção aos princípios norteadores do direito
internacional[12].
Segundo o informe anual[13],
de 18 de dezembro de 2009, da relatora especial da ONU para o direito à moradia
adequada, Raquel Rolnik:
Una nutrida experiencia ha demostrado
que los proyectos de rehabilitación adoptados para los juegos a menudo dan
lugar a violaciones generalizadas de los derechos humanos, particularmente
del derecho a una vivienda adecuada. En las ciudades que organizan los
eventos, son frecuentes las denuncias de desalojos y desplazamientos
forzosos masivos para hacer lugar al desarrollo de la infraestructura y la
renovación urbana, de reducción de la asequibilidad de la vivienda como
resultado del aburguesamiento, de operaciones de gran envergadura contra las
personas sin hogar, y de penalización y discriminación de grupos marginados.
Quienes más sufren las consecuencias de estas prácticas son los sectores más
desfavorecidos y vulnerables de la sociedad, tales como los sectores de bajos
ingresos, las minorías étnicas, los inmigrantes, los ancianos, las personas con
discapacidad y los grupos marginados (como los vendedores ambulantes y los
trabajadores sexuales). (Grifo nosso)
Ademais, o Estado deve tentar, ao máximo, evitar a ocorrência desse tipo
de remoção, inclusive no contexto de realização de eventos esportivos
internacionais. O Estado deve garantir o cumprimento da lei em desfavor tanto
de seus agentes quanto de terceiros que promovam tais ações, proporcionando a
todas as pessoas a segurança do direito de posse.
Nos casos em que as remoções são necessárias, além do cumprimento estrito
das normas internacionais de direitos humanos, devem ser observados alguns
procedimentos, como: consultas e notificações, realizadas com transparência e
razoabilidade, às comunidades afetadas; esclarecimentos sobre as remoções
propostas, bem como sobre a nova destinação do local desapropriado; atenção
especial dos agentes do governo durante as remoções, que não devem
ocorrer durante os períodos noturnos ou de más condições climáticas, salvo com
o consentimento do removido; garantia de assistência especializada às pessoas
que dela necessitem para pleitear reparações junto ao poder judiciário, dentre
outras[14].
Ainda que sejam observados todos esses quesitos, as remoções não podem,
todavia, acarretar na formação de um novo contingente de “sem-tetos”, cabendo
ao Estado adotar todas as medidas para uma nova habitação ou reassentamento.
Depreende-se, assim, de todos os
argumentos ora demonstrados, que existe a possibilidade concreta de
coexistência pacífica entre o desenvolvimento urbano, seja por uma demanda
interna ou internacional (caso de megaeventos esportivos), e a garantia dos
direitos sociais, com enfoque especial ao direito à moradia adequada. O clamor
das pessoas afetadas por remoções/desapropriações é apenas o de que o Estado,
responsável imediato por assegurar a observância de tais garantias
internacionalmente reconhecidas, cumpra seu papel perante seu povo e a comunidade
internacional. O Estado tem um dos principais papéis nessa coexistência, o de
mantenedor da ordem jurídica internacional, cumprindo as determinações dos
pactos e tratados por ele ratificados. Coadunando com esse papel do Estado, há
também o papel do próprio indivíduo, que é considerado, por um grupo cada vez
maior de doutrinadores, um sujeito de direito internacional. Seu papel,
independente de sua relação direta ou não com as remoções, é o de fiscal das
atividades estatais, e, através da mobilização e trabalho coletivo, denunciar
quaisquer irregularidades em tais execuções.
Para maiores informações sobre o tema:
http://www.ettern.ippur.ufrj.br/
http://www.portalpopulardacopa.org.br/
http://direitoamoradia.org/
http://www.rootingforthehometeam.org/
http://www.ettern.ippur.ufrj.br/
http://www.portalpopulardacopa.org.br/
http://direitoamoradia.org/
http://www.rootingforthehometeam.org/
Camila de Souza Aquino
Secretária-Geral da SONU 2013
REFERÊNCIAS:
[1] Prefeito eleito afirma que resolve o impasse. Diário do Nordeste, Fortaleza, 30 out.2012. Disponível em <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1198249>. Acesso em 14/11/2012.
[1] Prefeito eleito afirma que resolve o impasse. Diário do Nordeste, Fortaleza, 30 out.2012. Disponível em <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1198249>. Acesso em 14/11/2012.
[2] LIMA, L.
Gestor vê dificuldade em desapropriações. Diário do Nordeste, Fortaleza, 31
out.2012. Disponível em <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1198627>.
Acesso em 14/11/2012.
[4] COMPARATO,
Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. – 6. ed. rev. e
atual. – São Paulo : Saraiva, 2008.
[5] Disponível
em <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/PAGINA2-1-dir-econ.html>.
Acesso em 14/11/2012.
[6] Disponível
em <http://www.unhabitat.org/categories.asp?catid=9>.
[7] Item 7 (UNITED NATIONS.
General Comment no 4 (1991) The right to adequate housing (Art.11 (1) of the
Covenant)). Disponível em <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28Symbol%29/469f4d91a9378221c12563ed0053547e?Opendocument>
. Acesso em 14/11/2012.
[8] Idem, op. cit..
[9] Item 98
(UNITED NATIONS. Habitat II Conference. Istanbul, 1996).
[10] Programme des Nations Unies pour le développement (PNUD). Rapport
sur le développement humain 2000. Disponível em <http://hdr.undp.org/fr/rapports/mondial/rdh2000/>
[11] Idem, op. cit., p.77.
[12] NACIONES
UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre uma vivienda adecuada como
elemento integrante del derecho a um nível de vida adecuado e sobre el derecho
de no discriminación a este respecto. Distribuiçao geral em 18/12/2009.
[13] Disponível
em < http://direitoamoradia.org/>.
[14] Item
33 (NACIONES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre uma vivienda
adecuada como elemento integrante del derecho a um nível de vida adecuado e
sobre el derecho de no discriminación a este respecto. Distribuiçao geral em
18/12/2009).
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