3 de maio de 2013

SONU ACADÊMICO #14

"Refugiados ambientais" deixando Bangcoc, capital da Tailândia, em uma estrada inundada  
(Fonte: Greenpeace/Sataporn Thongma)


AS IMPLICAÇÕES DA TIPIFICAÇÃO DO CONCEITO DE REFUGIADO AMBIENTAL


As alterações climáticas e os impactos no meio ambiente, problemáticas presentes, sobretudo, nas últimas décadas, influenciam em diferentes aspectos da sociedade, quais sejam, ambientais, políticos, sociais e econômicos. Ademais, sendo inevitável a dependência entre o homem e o meio em que habita, essas catástrofes também são responsáveis pelo deslocamento de milhões de pessoas, caracterizando-se, portanto, a vertente humana das alterações ambientais.

A Convenção de Genebra de 1951 caracteriza o refugiado como o indivíduo que sofre perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Posteriormente, foram agregadas a essa definição inicial outras características, passando também a ser considerada como refugiada a pessoa forçada a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos[1].

Observa-se, no entanto, que a Convenção supracitada não abrange, mesmo após a reformulação do conceito convencional, a problemática dos “refugiados ambientais”, havendo a necessidade de algo que lide especificamente com o assunto em questão, conforme afirma Luciana Diniz (2009)[2]:

[...] para que se possa conceituar propriamente “refugiado ambiental”, tarefa árdua, inóspita e problemática do ponto de vista jurídico, é necessário, em primeiro lugar, esclarecer que este conceito em nada se confunde com o de migrante econômico, apátrida ou deslocado interno. Ao contrário, pretende-se uma nova e específica categoria de proteção à pessoa humana, em virtude de migrações forçadas ocasionadas por questões eminentemente ambientais. Em segundo lugar, o problema da terminologia coloca-se como de fundamental relevância, pois, a nomenclatura utilizada pelos doutrinadores é imprópria, já que os chamados “refugiados ambientais” não são propriamente refugiados, visto que não se enquadram na definição clássica da Convenção de 1951 por lhes faltar, além do requisito essencial da perseguição ou temor de perseguição, os motivos persecutórios previstos na CRER.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) contribuiu significativamente com a temática em questão ao caracterizar os referidos refugiados como pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona em que vivem tradicionalmente, devido ao declínio do meio ambiente (por razões naturais ou humanas), perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entre em perigo[3].

Segundo o relatório State of Environmental Migration 2010[4], que apresenta um quadro de cifras acerca do número de refugiados ambientais, em 2010, havia aproximadamente 38 milhões de indivíduos nessas condições. Atualmente, o deslocamento ambiental é a primeira causa das migrações humanas. Esses números podem ser contrastados com a quantidade de refugiados políticos que existe no mundo: 16 milhões de pessoas, das quais quatro milhões são palestinas.

Constata-se, portanto, que o número de refugiados ambientais só tende a crescer; pode-se citar, como um dos casos mais emblemáticos dessa década, o terremoto ocorrido no Haiti em 2010, desastre ambiental que produziu números alarmantes, tais como: 250 mil feridos, 1,5 milhão de habitantes desabrigados e cerca de 200 mil mortos.

Diante da intensificação de desastres ambientais ao redor do mundo, torna-se premente a tomada de posição por parte da comunidade internacional a fim de que haja um meio formalmente reconhecido para proteger a esses indivíduos, uma vez que as implicações devido à falta desse reconhecimento jurídico são muitas. Ao se deslocarem, essas pessoas geram desequilíbrios econômicos e sociais nas várias regiões do globo, haja vista que, por vezes, deslocam-se para países que apresentam práticas culturais completamente distintas do seu país de origem, desencadeando, ademais, o aumento nas taxas de desemprego, na concorrência por trabalho e nas eventuais dificuldades de acesso à alimentação e à água.

Uma das sugestões apresentadas pelos teóricos no assunto é a de que o conceito de “refúgio” fosse ampliado a fim de congregar, também, aqueles que se deslocam em virtude de intempéries. Há, no entanto, sérias implicações nessa postura, podendo-se citar, prioritariamente, duas: a dificuldade de haver consenso entre os países que integram a comunidade internacional no sentido de concordarem com a expansão desse conceito, haja vista o aumento da sua responsabilidade individual perante as instituições internacionais e a incompatibilidade jurídica existente entre o conceito de refúgio e a natureza do direito ambiental, uma vez que este trata de bens coletivos e difusos; enquanto aquele é, eminentemente, de caráter individual.

Segundo Luciana Diniz Durães Pereira (2009)[5], existem outros institutos no Direito Internacional que versam sobre a proteção dos indivíduos que saem de seus lugares de origem, como é o caso do asilo; conceito este que não se pode aplicar aos deslocados em virtude de catástrofes naturais, uma vez que o determinante para a aplicação desse instituto é a perseguição política, que não há no caso de “refugiados ambientais”.

Outra sugestão existente, de acordo com a doutrinadora Érika Pires Ramos (2011)[6] na sua tese de doutorado, é a criação de um novo instituto internacional, com limites e características próprias, definido pela comunidade internacional, respeitando-se as posições de cada Estado, tornando a proteção às pessoas que se encontram nessa situação mais efetiva. Um dos nomes sugeridos para esse novo instituto seria “eco-migrante”, abrangendo, exclusivamente, aqueles que se deslocam em virtude das causas ambientais.

Porém, hodiernamente, há um crescente movimento contra a entrada de refugiados nos países desenvolvidos. Conforme o relatório Tendências Globais 2010[7], realizado pelo ACNUR, 80% dos refugiados do mundo estão reassentados nos países em desenvolvimento, o que mostra um profundo desequilíbrio no apoio internacional. Grande parte das nações dificulta o ingresso dessas pessoas, porquanto a maioria delas encontra-se à parte da economia e da sociedade do Estado acolhedor.

O principal fator que propicia essa exclusão socioeconômica é o idioma, já que, sem a comunicação necessária, torna-se mais difícil conseguir emprego e interagir no meio social daquela comunidade. A exclusão, no caso dos refugiados, é o fator condicionador da sua pobreza dentro dos países receptores, fato este contrastante com a oportunidade de reconstrução e readaptação que deveria ser garantida.

Quando se almeja estender esse direito de asilo internacional às pessoas afetadas por desastres ambientais, a situação torna-se ainda mais complexa, dado que a maioria dos governos que ratificaram os acordos feitos durante a Convenção de Genebra de 1951 não possuem políticas para a socialização sequer das pessoas com o status tradicional de refugiado formulado na Convenção.

Diante dos fatos e argumentos anteriormente expostos, podemos formular uma série de conclusões referentes à problemática das implicações da tipificação do conceito de refugiado ambiental. A conclusão principal é referente ao fato de que não se obtêm nas reuniões internacionais um consenso sobre a tipificação ou não dessa suposta nova categoria de refugiado, visto que a situação fática dos denominados “refugiados ambientais” não se compatibiliza ao disposto na Convenção Relativa ao Estatuto Dos Refugiados (CRER) de 1951 e um alargamento do conceito tradicional de refugiado proporcionaria um aumento significativo das responsabilidades internacionais de várias nações, o que não é visto de forma positiva por muitas dessas.

Dessa forma, o alargamento da concepção tradicional de refugiado não nos afigura como a medida mais adequada para lidar com o problema de milhões de pessoas que foram forçadas a saírem de seus locais de residência habitual por motivações ambientais causadas pela própria natureza ou pelo ser humano.

Essa perspectiva também leva em consideração a celeridade das negociações internacionais para a resolução do problema, uma vez que ao se persistir em aumentar o alcance de uma determinada categoria jurídica como a dos refugiados, enfrenta-se os posicionamentos contrários de uma série de países que não consideram correto estabelecer essa proteção nesses termos.

Para que a problemática seja solucionada da forma mais adequada e célere possível, acreditamos que a tipificação de uma nova categoria jurídica denominada “eco-migrante” seria o modo correto de se estabelecer a proteção para os indivíduos que se deslocam de forma forçada por motivações ambientais, uma vez que o termo “refugiados ambientais” encontra uma série de obstáculos para ser reconhecido e uma clara problemática terminológica.

Ademais, a tipificação dessa nova categoria jurídica propiciaria uma proteção pautada em critérios específicos para as pessoas que se encontram inseridas nesse tipo de situação fática, o que resultaria numa maior adequação das medidas adotadas para resolver as diversas situações problemáticas que surgem com esse deslocamento forçado.

A busca por uma solução viável e com aplicação mais rápida do que a espera pelo reconhecimento de uma nova categoria de refugiado nos parece o procedimento correto para lidar com a temática, posto que uma série de Direitos Humanos são violados quando não se protege adequadamente essas pessoas e o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o pilar basilar do Direito Internacional dos Direitos Humanos, é posto em risco.



Isabelly Cysne Augusto Maia
Ivina Sampaio Braga
Monique Maria Guimarães Unias
Vanessa Silva Barbosa da Costa
Diretoras do ACNUR - SONU 2013[8]



[1] ACNUR. Quem pode ser considerado refugiado? Disponível em <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/perguntas-e-respostas/> Acesso em 03 abr. 2013.
[2] PEREIRA, Luciana Diniz Durães. O Direito Internacional dos Refugiados: Análise Crítica do Conceito "Refugiado Ambiental". Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
[3] LISER. Refugiados ambientais. Disponível em <http://www.liser.eu/> Acesso em 03 abr. 2013.
[4] IDDRI. the State of Environment Migration 2010. Disponível em <http://www.iddri.org/Publications/Collections/Analyses/STUDY0711_SEM%202010_web.pdf> Acesso em 03 abr. 2013.
[5] PEREIRA, Luciana Diniz Durães. op. cit.
[6] RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo direito internacional. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011.
[7] ACNUR. relatório Tendências Globais 2010. Disponível em <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2011/Relatorio_Tendencias_Globais_2010_-_Principais_estatisticas.pdf?view=1> Acesso em 03 abr. 2013.
[8] ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados será um dos comitês simulados na SONU 2013, dedicado aos estudantes de Ensino Médio. Durante os quatro dias de simulação, os participantes tratarão as seguintes temáticas: Refugiados e Deslocados Ambientais: as Consequências das Alterações Climáticas; Sudão e Chade: Conflitos Locais, Repercussão Global.



 
 




  

 
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