Soldado francês numa base aérea perto de Bamaco (Eric Gaillard/Reuters, Disponível em http://www.publico.pt/)
A intervenção francesa na
República do Mali vem sendo bastante noticiada nas últimas semanas. Entretanto,
tais notícias não costumam explicar como se deu o início desse confronto nem
mesmo elencam os motivos mais profundos que levaram a França a intervir
militarmente em um país africano. Para melhor compreender essas questões,
importante se faz analisar o início dos confrontos que culminaram nessa
intervenção.
A República do Mali é um
país localizado na África Ocidental, com população superior a 15 milhões de
habitantes[1].
Na era colonial, mais precisamente no fim do século XIX, Mali ficou sob o
controle da França, fazendo parte do Sudão Francês. Já em 1960, com o
rompimento entre Senegal e Mali, os quais, ainda no ano anterior, haviam se
unido para constituir a Federação do Mali, o povo maliano tornou-se uma nação
independente.
Após sua independência da
França, Mali sofreu diversas secas, rebeliões e um golpe de Estado, que durou
23 anos, até a chegada das eleições democráticas em 1992. Desde
então, podia-se dizer que a República do Mali era um dos países mais estáveis
do continente africano, tanto no âmbito social quanto no âmbito político. Essa
estabilidade, no entanto, foi rompida, vinte anos depois, após a prática de
mais um golpe militar, que culminou na derrubada do então presidente eleito
democraticamente, Amadou Touré.
Em 21 de março de 2012, um
grupo de militares de baixa patente denominado “Comitê Nacional para a
Restauração da Democracia e do Estado” (CNRDE) depôs Amadou Touré após
discordar das medidas por ele adotadas acerca da invasão dos tuaregues na
região norte do Mali. O golpe foi condenado por toda a comunidade
internacional, a qual ameaçou suspender os fundos de ajuda internacionais e
congelar os bens e patrimônios individuais dos golpistas. Diante de tais
sanções, no dia 6 de abril, o CNRDE renunciou ao poder, passando-o para o
porta-voz da Assembleia Nacional do Mali, Dioncounda Traoré.
No entanto, logo após o
golpe, as forças do governo ficaram mais enfraquecidas, o que facilitou o
avanço das forças separatistas lideradas pelo Movimento Nacional de Libertação
do Azauade (MNLA), culminando com a tomada das três maiores cidades do norte do
Mali em apenas três dias.
Com a dominação dessas
cidades, o MNLA decretou a sua independência perante Mali, mas a União Africana
e a União Europeia não a aceitaram.
O ataque realizado pelo MNLA
contou com o apoio do Movimento pela Unidade e a Jihad na África Ocidental
(MUJAO) e do Ansar Dine – grupos extremistas islâmicos, estando este último
ligado ao grupo Al-Qaeda – mas apenas por pouco tempo. Devido aos seus ideais
divergentes, o MNLA, em meados de julho de 2012 – apenas três meses após a
conquista das cidades do norte – já havia sido expulso de todas as cidades
conquistadas, ficando estas sob o domínio dos grupos islâmicos, principalmente
ao grupo ligado à Al-Qaeda, por conta de seu poder bélico.
O MNLA tentou resistir em
algumas outras cidades menores até meados de novembro, mas não obteve êxito,
motivo pelo qual o Movimento Nacional de Libertação do Azauade desistiu de sua
tão almejada independência e se uniu ao governo do Mali em troca de autonomia
dentro do país.
Os grupos extremistas
islâmicos avançaram cada vez mais para o centro de Mali, o que levou o governo maliano
e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) a solicitar
uma intervenção militar estrangeira. No final de dezembro do ano passado, o
Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução proposta pela França, na
qual se autorizava a criação e o envio da Missão Internacional de Apoio ao Mali
sob Liderança Africana (AFISMA).
Com o ataque islâmico ainda
mais ao sul, na cidade de Konna, localizada próxima ao aeroporto militar de
Sevare, os franceses se viram obrigados a intervir diretamente, enviando
helicópteros e jatos para um ataque aéreo, o qual surtiu efeito imediato, visto
que os rebeldes deixaram a cidade e recuaram para o norte. Desde então, os
franceses continuam enviando tropas para o Mali e conquistando as regiões ocupadas
pelos grupos extremistas islâmicos.
A maior parte do povo
francês apoia a intervenção militar no Mali, principalmente pelo fato de o
governo francês divulgar amplamente que se trata de uma missão humanitária e
estrategicamente necessária. Humanitária por pretender proteger o povo do Mali
contra os invasores islâmicos e sua dura lei islâmica. Estrategicamente
necessária para manter os extremistas islâmicos afastados dos países que já
possuem um bom relacionamento com o ocidente. O presidente da França, François
Hollande, afirma que a intervenção é necessária apenas para proteger a
ex-colônia da França da brutalidade dos islâmicos e proteger também a própria
nação francesa dos ataques extremistas.
Segundo as palavras do
próprio Hollande:
Temos um objetivo: certificar
que quando sairmos, quando acabarmos nossa intervenção, o Mali esteja salvo,
tenha autoridades legítimas, um processo eleitoral e que não existam mais
terroristas ameaçando seu território (tradução livre).[6]
Contudo, há quem discorde da
intervenção, alegando diversos fatores como os altíssimos custos para manter
uma guerra e as perdas humanas.
Os argumentos mais fortes
são aqueles que apresentam as grandes riquezas minerais presentes no Mali. Esse
país é o terceiro maior produtor de ouro na África e possui um grande potencial
de urânio e várias outras pedras preciosas. Além disso, até mesmo o petróleo,
que vem sendo revelado através de perfurações e pesquisas em algumas áreas do
Mali, está atraindo interesses de investidores.
Alguns questionam ainda a
legalidade da intervenção, visto que a Resolução 2.085 do Conselho de Segurança
das Nações Unidas concentrou-se principalmente em negociações políticas, não
abrindo espaço para operações ofensivas. Quanto a esse ponto, pode-se analisar
o item da Resolução 2.085 que elenca as tarefas da Missão Internacional de
Apoio ao Mali sob Liderança Africana (AFISMA):
Disposição do AFISMA
9. Decide autorizar a
formação da Missão Internacional de Suporte no Mali liderada por Nações
Africanas (AFISMA) pelo período inicial de um ano, que tomará todas as medidas
necessárias, em conformidade com o direito internacional humanitário e os
direitos humanos em total respeito com a soberania, integridade territorial e
unidade do Mali para realizar as seguintes tarefas:
(a) Contribuir para a
reconstrução da capacidade da Defesa Maliana e Forças de Segurança, em estreita
coordenação com os outros parceiros internacionais envolvidos nesse processo,
incluindo a União Europeia e outros Estados-Membros;
(b) Apoiar as autoridades
malianas em recuperar as áreas ao norte de seu território sob controle de
grupos terroristas, extremistas e armados e reduzir a ameaça imposta por
organizações terroristas, incluindo AQIM, MUJWA e grupos extremistas
associados, enquanto toma medidas apropriadas para reduzir o impacto da ação militar
sobre a população civil;
(c) Fazer a transição
para atividades de estabilização para apoiar as autoridades malianas em manter
a segurança e consolidar a autoridade estatal através das capacidades
apropriadas;
(d) Apoiar as
autoridades malianas na sua responsabilidade primária em proteger a população;
(e) Apoiar as
autoridades malianas a criar um ambiente seguro para a entrega da assistência
humanitária liderada por civis e o retorno voluntário de pessoas deslocadas
internamente e refugiados, como solicitado, dentro de suas capacidades e em
coordenação estreita com os atores humanitários;
(f) Proteger seu
pessoal, instalações, recintos, equipamentos e missão e assegurar a segurança e
movimento do pessoal.[8]
Nota-se que as tarefas da
AFISMA são bastante variadas, dando margem a inúmeras interpretações. Deve-se
ressaltar ainda que existem 25 itens na Resolução 2.085, sendo obrigatória a
análise completa antes de obter alguma conclusão.
Thiago Negreiros Parente
Secretário Administrativo - SONU 2013
[3] Jihadists’ Fierce Justice Drives Thousands to Flee Mali. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2012/07/18/world/africa/jidhadists-fierce-justice-drives-thousands-to-flee-mali.html?pagewanted=all&_r=0>. Acesso em 14/02/13.
[4] Tuareg rebels ready to help French forces in Mali. Disponível em: <http://english.alarabiya.net/articles/2013/01/14/260337.html>. Acesso em 14/02/13.
[5] El Consejo de Seguridad de la ONU autoriza el envío de una misión militar a Mali. Disponível em: <http://www.rtve.es/noticias/20121221/consejo-seguridad-onu-autoriza-envio-mision-militar-mali/591341.shtml>. Acesso em 14/02/13.
[6] ‘Gates of Hell’: France upping military presence in Mali conflict. Disponível em: <http://rt.com/news/france-mali-french-troops-006/>. Acesso em 15/02/2013.
[7] Mali’s mining sector, a rich but unexploited potential. Disponível em: <http://www.jmpmali.com/html/miningandpetroleum.html>. Acesso em: 15/02/2013.
[8] Resolution 2085 (2012) Stresses Need to Further Refine Military Planning. Disponível em: <http://www.un.org/News/Press/docs/2012/sc10870.doc.htm>. Acesso em: 15/02/2013.
0 comentários:
Postar um comentário