"TEORIA DOS JOGOS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS"
Teoria dos Jogos é um ramo da matemática (que se expandiu para economia
e política) que estuda as formas como interações estratégicas entre agentes
econômicos produzem resultados em relação às preferências (ou utilidades)
desses agentes, podendo estes resultados não ter sido planejados ou desejados
por nenhum deles. Ou seja, estuda o que acontece quando a melhor (ou pior)
decisão para uma pessoa depende de expectativas do que outra ou mais pessoas
vão decidir e vice-versa.
Se independentemente do que os outros fazem em uma determinada situação,
todos obtêm resultados ideais, a teoria dos jogos não é necessária. Mas caso
contrário, numa situação chamada de “jogo”, em que pelo menos um dos agentes
precisa antecipar os atos de outro ou mais agentes para obter o seu resultado
ideal, a teoria é necessária.
Originalmente a teoria dos jogos foi desenvolvida por John Von Neumann e
Oskar Morgenstern. Era mais limitada, aplicável apenas a casos paramétricos, específicos
e controlados, mas com o passar dos anos sua ação foi se generalizando e hoje é
importantíssima na análise de situações não paramétricas.
Um exemplo que ajuda a visualizar o desenrolar da teoria dos jogos é o
do soldado no campo de batalha: um soldado está no campo de batalha quando lhe
acomete um pensamento “se nós vamos vencer a guerra, é improvável que a minha
atuação individual vá fazer alguma diferença, então não faz sentido que eu
continue aqui e arrisque me machucar ou até morrer se ganharemos de qualquer
forma, e se vamos perder, não faz sentido mesmo
que eu fique aqui para morrer em vão, já que o inimigo ganhará de qualquer
forma. De uma forma ou de outra, o melhor é fugir”. É bem provável que ao
pensar isso, imagine também que todos os outros soldados estão pensando a mesma
coisa, e se todos desenvolveram essa linha de raciocínio lógica, o resultado
presumível é a criação de um cenário de caos e pânico, culminando com a partida
de todos do campo de batalha. O que motiva o soldado a fugir é perceber que a
ação mais vantajosa para si dependerá do que os outros considerarão como ações
mais vantajosas, e que todos conseguem perceber isso também. Entra em cena a
teoria dos jogos; o comandante, que também terá antecipado essa linha de
raciocínio da parte dos soldados, deverá mudar essas opções, fazendo com que
ficar e lutar se torne mais vantajoso para os soldados do que fugir - caçando e
matando aqueles que fogem ou inviabilizando qualquer meio de fuga, por exemplo.
Agora que já foi dada uma visão geral da teoria dos jogos,
aprofundar-se-á a conceituação dos elementos citados na definição usada no
primeiro parágrafo, passando ao célebre exemplo do dilema do prisioneiro e, por
fim, uma análise sobre a contribuição da teoria dos jogos para as relações
internacionais.
O agente econômico é uma entidade com preferências - que, para os fins
da teoria dos jogos, andam lado a lado com o conceito de utilidade, esclarecido logo abaixo - e que é considerado racional
na medida em que possui alternativas e escolhe dentre elas a que se mostra mais
vantajosa para seus objetivos, com base nas ações de outros agentes.
Utilidade se refere a uma escala de quanto bem-estar subjetivo um agente pode
retirar de uma situação; subjetivo porque cada homem tem seu próprio julgamento
do que é bem-estar para si, e é esse julgamento (implícito ou explícito) que
conta para a teoria dos jogos. Utilidade é aquilo que o comportamento do agente
mostra que ele sempre age de forma a tornar mais provável. Ou seja, os agentes
agem de modo a maximizar suas utilidades.
Quando essa maximização da utilidade precisa ser posta em termos
matemáticos, ela recebe o nome de função utilidade - um mapa das preferências
em números. As funções utilidade podem ser ordinais (os números revelam somente
uma ordem e sua magnitude é irrelevante) ou cardinais (a magnitude dos números
é importante). Na maioria das vezes, a função utilidade usada será ordinal.
Cada agente, que é também um jogador, possui pelo menos duas
estratégias, dentre as quais tem que escolher para conseguir seu objetivo. Em
termos simples, a estratégia é um plano que orienta o agente em que decisões
tomar, de acordo com cada possível estratégia que os outros agentes possam ter
escolhido.
Os jogos também se dividem de acordo com o tipo de informação que os
agentes têm ao tomarem suas decisões. Um jogo de damas, por exemplo, é um jogo
onde todos os agentes participantes possuem “informação perfeita”. Ao tomarem
uma decisão, sabem exatamente tudo que transcorreu até aquele momento durante o
jogo, sabem ainda exatamente onde os outros agentes estão e quais foram seus
últimos movimentos. Em exemplos mais complicados como o do dilema do
prisioneiro, explicado logo abaixo, os agentes têm apenas uma “informação
imperfeita”, já que nenhum sabe o que o outro já fez ou falou, logo só podem
tomar suas decisões com base em suposições do que pode ter ocorrido e não do
que de fato se passou.
Para entender o dilema do prisioneiro, suponhamos que a polícia prendeu
duas pessoas que cometeram juntas um assalto a mão armada. A polícia não possui
provas suficientes para condená-las pelo assalto, mas possui provas para
condená-las a dois anos de prisão pelo roubo do carro que usaram para fugir. A
seguinte oferta é feita para cada uma: se você confessar o crime e testemunhar
contra a sua parceira, ela cumprirá 10 anos e você ficará livre. Se ela
confessar e você não, você cumprirá 10 anos e ela sairá livre. Se as duas
confessarem, cada uma cumprirá 5 anos. Se nenhuma confessar, cada uma cumprirá
2 anos pelo roubo do carro.
Nesse caso a função utilidade dos dois agentes é idêntica: sair livre
>> 3; 2 anos de cadeia >> 2; 5 anos de cadeia >> 1; 10 anos
de cadeia >> 0. Se ambos confessarem, o ganho dos dois será 1 (5 anos de
cadeia cada); se nenhum confessar, o ganho dos dois será 2 (2 anos de cadeia).
Se o agente 1 confessar e o agente 2 não confessar, então o 1 terá o ganho de 3
e o 2 terá o ganho de 0, e vice-versa.
Tabela 1:
Tabela 1:
Se o agente 1 refletir sobre o que o agente 2 fará para então tomar a
sua decisão, seguirá algo assim: se o agente 2 confessar, meu ganho (resultado)
será 0 se eu não confessar, mas será 1 se eu confessar. Caso o agente 2 se
recuse a confessar, meu ganho será 2 se eu também não confessar, mas será 3 se
eu confessar. Logo, se deduz que independentemente da estratégia usada pelo
agente 2 (confessar ou não confessar), o ganho do agente 1 será sempre maior se
ele confessar. Enquanto isso, o agente 2 segue exatamente o mesmo caminho de
dedução e chega, por óbvio, à mesma conclusão: não interessa o que o agente 1
faça, confessar será sempre mais vantajoso para mim. Nesta situação, se recusar
a confessar, independentemente do que o outro faça, nunca maximizará as
utilidades.
Quando isso acontece, ou seja, uma das estratégias de um agente é
superior a todas as outras como resposta a todas as possíveis estratégias do
outro agente, diz-se que essa estratégia é estritamente dominante em relação às
outras. No dilema do prisioneiro, confessar domina estritamente não confessar
para todos os agentes. Algumas pessoas podem questionar que nessa solução, o
ganho dos dois é de apenas 1, enquanto no cenário em que ambos se recusam a
confessar o ganho dos dois é de 2 - suas utilidades são maximizadas se ambos
permanecerem calados. Por isso, muitos dizem que a polícia deve impedir que os
prisioneiros tenham qualquer tipo de comunicação, para que não possam fazer um
acordo de não confessar e conseguir a maior utilidade para ambos. Quem segue essa
linha de raciocínio, conclui que esse acordo tiraria de cada agente o medo de
que o outro fosse traí-lo, confessando, para conseguir o melhor resultado para
si (não ir para a cadeia por tempo nenhum). E essa é uma das características
mais importantes do dilema do prisioneiro, pois esta conclusão é na verdade
falsa.
Os agentes tomam suas decisões de maneira simultânea, sem que um saiba o
que o outro está fazendo. Nesse caso, um acordo feito antes do momento da
decisão não significará nada para os agentes quando tiverem, de fato, que
escolher que estratégia seguir. Suponhamos que o agente 1, certo de que o
agente 2 não confessará por conta do acordo que fizeram, pensa em confessar
para maximizar a sua utilidade e ter um ganho de 3, ou seja, sair livre. Ao
pensar em fazer isso, logo se dá conta que o agente 2 certamente chegou a essa
mesma conclusão, e novamente decide que deve sim confessar, pois será a única forma
de evitar o ganho 0 e ficar preso por 10 anos. As promessas que fizeram um para
o outro não significam nada, pois eles não têm como se certificar que o outro
fará o combinado.
No entanto, esse exemplo de jogo, em que todas as colunas e linhas da
matriz são ou estritamente dominantes ou estritamente dominadas deixando apenas
uma possível solução, não é típico. Na maioria das situações, os resultados não
são tão facilmente definidos, nem classificados de acordo com sua utilidade;
são necessários cálculos de porcentagens e probabilidades pra definir a melhor
estratégia.
Como sabemos, em Relações Internacionais a esmagadora maioria das
decisões envolvem dois ou mais agentes, sendo importante o estudo da teoria dos
jogos para entender como as utilidades desses diferentes agentes levam a
resultados específicos.
A teoria dos jogos serve como auxílio para entender o comportamento de
determinados Estados, além de tentar prever como eles irão se comportar,
principalmente em questões econômicas e de segurança internacional.
Acerca deste último, tópicos como a formação de alianças; dissuasão e
corridas armamentistas; crises que podem levar à conflitos armados; guerra e
paz; e batalhas dentro de situações de conflitos armados, todos são objetos de
estudo da teoria dos jogos aplicada às Relações Internacionais. Autores
desenvolveram, por exemplo, um método para analisar a capacidade de um membro
de uma aliança de influenciar os assuntos desta e aplicaram-no às interações da
União Européia. Argumenta-se que o modelo do dilema do prisioneiro influenciou
as decisões dos Estados Unidos da América durante a Guerra Fria, pois, de forma
simplificada, no contexto de uma corrida armamentista, traz maior ganho para um
agente armar-se, independente do que o outro jogador fará, do que não se armar.
Frente à realpolitik das
Relações Internacionais, a teoria dos jogos tem utilidade limitada, pois esta
presume que os agentes tomarão suas decisões com bases estritamente racionais e
lógicas, o que nem sempre corresponde com a realidade. Outra crítica tem por
objeto a demasiada simplificação dos
modelos da teoria dos jogos (notadamente o modelo “cooperação x confronto”)
frente à complexidade dos problemas das Relações Internacionais, fato que
ocasiona resultados incoerentes com as reais soluções adotadas pelos agentes do
cenário internacional.
Cecília Rosendo Tavares Pontes
Secretária Administrativa - SONU 2013
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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