O IMPACTO POLÍTICO DAS MÍDIAS SOCIAIS NOS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS CONTEMPORÂNEOS
Em uma de suas últimas manifestações
públicas para a mídia, Eric Hobsbawm, em análise dos eventos estrondosos de
2011, congratulou a perspectiva de ainda ser possível derrubar regimes
ditatoriais pela ampla manifestação popular, frisando o papel de uma nova
ferramenta revolucionária: as mídias sociais.1
O autor constatou uma interessante
analogia histórica entre a denominada “Primavera Árabe” e a Revolução
parisiense de 1848. Ambas explodiram num país e se difundiram rapidamente
ganhando proporções continentais mediante amplo apoio popular. As diferenças,
contudo, são várias. A Europa da primeira metade do século XIX era o centro da
Revolução Industrial, tendo os movimentos de 1848 sido levantados por massas
operárias. Hodiernamente, a classe média, os movimentos estudantis e
religiosos, munidos de poderosas mídias sociais, movem os levantes no mundo
islâmico. A Revolução Digital da década de 1990 demonstra hoje mais que um
salto tecnológico, revela seu crescente potencial político.
O próprio termo “mídia social”, porém,
carece de definição precisa ante seu caráter recente conforme reconhece Bryan
Eisenberg:²
Nós
ainda estamos tentando chegar a um acordo quanto à definição de mídia social.
(...). Meu maior problema com o termo é ele não tratar de mídia no sentido
tradicional. Twitter, Facebook e LinkedIn e outros não são mídia; eles são
plataformas de interação e compartilhamento de informações. Toda a mídia
tradicional – impressa, transmissão, pesquisa e assim por diante – oferece
plataformas para apresentação de anúncios próximos e ao redor de conteúdo
relevante. Mídias sociais são plataformas para interação e relacionamento, não
para conteúdo e publicidade.
Clay Shirky destaca ainda a mudança paradigmática
que as mídias sociais operaram no relacionamento humano com a transmissão e
produção de informações. A internet teria agregado a capacidade de formar
grupos e proporcionar o diálogo de uma forma ampla após integrar em sua
estrutura todas as outras formas de mídia pré-existentes.3
Em seu aspecto político, a chamada
“Primavera Árabe” demonstrou cabalmente o poder de mobilização dessa nova forma
de mídia, permitindo ainda um melhor estudo acerca da influência política que
novas tecnologias podem ter.
A Universidade de Washington realizou análises
estatísticas sobre o papel que redes sociais, como Facebook e Twitter,
desempenharam no curso dos movimentos revolucionários no Egito e Tunísia. No
caso egípcio, por exemplo:4
Descobriu-se
que, à medida que a pressão pela derrubada de Mubarak crescia interna e
internacionalmente, houve uma alteração geográfica na origem dos tweets sobre mudanças políticas no
Egito. Duas semanas antes de sua renúncia, aferiu-se que 34 % dos tweets sobre mudanças políticas estavam
vindo de pessoas que se diziam estar fora da região. Contudo, ao passo que a
participação popular nos protestos políticos cresceu na semana anterior à
renúncia, a contribuição relativa de estrangeiros diminuiu para apenas 12 %. Em
outras palavras, a vasta maioria de tweets
vinha de pessoas ou de dentro do país, ou da região ou que se negavam a
identificar sua localidade.
O Facebook, por sua vez, antes mesmo dos
eventos de 2011 já recebia referências como a seguinte: “(...) a coisa mais
importante que o Facebook pode fazer é dar às pessoas ferramentas que lhes
permitam se comunicar de forma mais eficiente e prosperar em um mundo no qual
estamos cada vez mais cercados de informações, não importa o que fizermos”.5
A consciência do poder e o potencial das
redes sociais estão, portanto, consolidados, tendo os eventos ocorridos no
Norte da África em 2011 colaborado para corroborar essa visão. Todavia, não
seria razoável conceber as mídias sociais, gênero no qual as redes sociais se
incluem, como instrumento infalível e desprovido de efeitos adversos, pois
“fatores que aparentam impactar sobre seu uso bem sucedido incluem tamanho,
diversidade étnica e nível educacional da população, existência de uma
infraestrutura de telecomunicações moderna, bem como a proporção de censura de
que se vale o regime vigente. As mídias sociais têm impacto limitado, na melhor
hipótese, sobre um fator relativo a revoluções nascentes”.6
Acerca dos aspectos negativos das
relações virtuais contemporâneas, em contraponto ao até agora apresentado, Andrew
Keen comenta: “A internet se tornou um gigantesco espelho que reflete nossos
desejos, interesses e inclinações. Em vez de serem verdadeiramente sociais, as
redes ‘sociais’ de hoje permitem a todos nós criarmos comunidades virtuais que
refletem nossos próprios interesses e que, na verdade, nos separam das nossas
comunidades físicas”.7 O autor inglês acresce que a capacidade de
mobilização política das novas mídias, embora confira grande suporte a
movimentos políticos incipientes, não lhes confere a coesão e consistência
suficientes para se perpetuarem.
Esses argumentos nos levam à reflexão
acerca do papel que as novas mídias ainda têm a consolidar no debate político
moderno. Certamente conferem às pessoas o poder de expressão e de associação
necessários para contestar o status quo
do regime vigente. Contudo, considerando seu caráter instrumental de
ferramentas transmissoras e produtoras de dados, é importante ressaltar que as
mídias sociais não possuem um valor intrínseco, ou seja, não são boas ou ruins
em si. Elas serão o que delas façamos, sendo pouco provável que possam
suplantar as formas de organização política clássicas, oferecendo-lhes, não
obstante, um novo e poderoso âmbito de manifestação.
William Magalhães Lessa
Secretário Acadêmico da SONU 2013
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REFERÊNCIAS
1.
WHITEHEAD, Andrew. Eric Hobsbawm on 2011: “It reminds me of 1848…”. BBC
News Magazine. 23 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/news/magazine-16217726>. Acesso em 05.10.2012.
2.
EISENBERG, Bryan in COHEN, Heidi. 30 Social Media Definitions, n.º 10. Disponível em: <http://heidicohen.com/social-media-definition/>. Acesso em 22.10.2012.
3.
SHIRKY, Clay. How social media can make history. Palestra proferida
para o TED – Ideas worth spreading. Junho de 2009. Disponível em: <http://www.ted.com/talks/clay_shirky_how_cellphones_twitter_facebook_can_make_history.html>. Acesso em 21.10.2012.
4.
HOWARD, Philip N. et al. Opening Closed Regimes: What was the
Role of Social Media During the Arab Spring? Working Paper. Project on
Information Technology & Political Islam – PITPI, pág. 16. Disponível
em <http://dl.dropbox.com/u/12947477/publications/2011_Howard-Duffy-Freelon-Hussain-Mari-Mazaid_pITPI.pdf>. Acesso 25.10.2012.
5. KIRKPATRICK. David. Tradução de Maria
Lúcia de Oliveira. O Efeito Facebook:
Os bastidores da história da empresa que conecta o mundo. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2011, pág. 351.
6.
SAFRANK, Rita. The Emerging Role of Social Media and Regime Change. Proquest
Discovery Guides. Março de 2012 Disponível em: <http://www.csa.com/discoveryguides/social_media/review.php>. Acesso em 24.10.2012.
7. KEEN, Andrew. A nova forma do
autoritarismo virtual. Revista Época, N.º 733, p. 108, 109, jun. 2012.
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